Precisamos falar sobre o Kevin
Autora: Lionel Shriver
Editora: Intrínseca
Páginas: 464
Skoob | Goodreads | Amazon
Autora: Lionel Shriver
Editora: Intrínseca
Páginas: 464
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Para falar de Kevin Khatchadourian, 16 anos - o autor de uma chacina que liquidou sete colegar, uma professora e um servente no ginásio de um bom colégio dos subúrbios de Nova York -, Lionel Shriver não apresenta apenas mais uma história de crime, castigo e pesadelos americanos: arquiteta um romance epistolar em que Eva, a mãe do assassino, escreve cartas ao marido ausente. Nelas, ao procurar porquês, constrói uma reflexão sobre a maldade e discute um tabu: a ambivalência e responsabilidade na criação de um pequen monstro. Precisamos falar sobre o Kevin discute casamento e carreira; maternidade e família; sinceridade e alienação. Denuncia o que há de errado com culturas e sociedades contemporâneas que produzem assassinos mirins em séries e pitboys. Um thriller psicanalítico no qual não se indaga quem matou, mas quem morreu. Enquanto tenta encontrar respostas para o tradicional ''onde foi que eu errei?'' a narradora desnuda, assombrada, uma outra interdição atávica: é possível odiarmos nossos filhos?
É raro conhecer uma mulher que não queira ser
mãe, criar um bebê, alimentá-lo e vê-lo crescer até que ele vire adulto. É o
sonho de toda mulher que quer ser mãe, e a grande maioria quer. No entanto, há
eventualidades que podem destruir tais sonhos. E isso não está relacionado com
a capacidade de reprodução, muito longe disso. Estamos falando de quando a mãe
sonha tanto com o próprio filho que este parece não dar a mínima para o que a
mãe sente, um bebê cujos desejos se resumem a deixar a mãe louca, e quando se torna
adulto, surpreende a todos. Ou não.
Estamos falando de Eva Khatchadourian, uma
mulher sonhadora que escreve cartas ao seu marido nesses tão remotos tempos
onde ela está, ou ao menos tenta se localizar. Somos apresentados a um único
cenário: a pacata vida de Eva, seus comentários exasperados e suas observações
eloquentes a respeito do mundo. Mas ainda assim, a história não se desenvolve
tão de repente, e Eva parece presa, parada no tempo, relembrando uma vida onde
ela, aparentemente, era feliz, até que seu primeiro filho nasce.
Através de cartas muito bem elaboradas, com palavras
parnasianas, Eva conta ao marido como sua vida mudou após o casamento. Ela era
dona de uma agência de viagens, e amava viajar, de modo que constantemente pegava
um avião e zarpava em direção ao seu paraíso pessoal. Um dia, ao conhecer Franklin,
Eva percebe que o amor é mais forte que todos os seus sonhos, então casa-se com
Franklin tempos depois, ainda mantendo seus negócios em alta. Uma mulher
admirada e respeitada pelas pessoas à sua volta.
Na esperança de ter um bebê, Eva tenta
convencer Franklin desta ideia, que ele recusa no primeiro momento, mas com a
insistência da mulher, acaba cedendo depois. No começo do livro somos barrados
por um enorme muro projetado pela autora, um muro tão tenebroso para o leitor
quanto para Eva. Seu filho, Kevin, de 16 anos, foi o responsável pelo massacre
ocorrido em sua escola, onde colegas de classe de Kevin foram assassinados por
ele.
A história vai se desenrolar a partir do
momento em que Eva dá à luz a Kevin, um garoto que começa a lhe arranjar
problemas desde o início. A princípio a mãe vê todo o choro e melodrama do bebê
como algo normal, uma coisa que todos os bebês fazem. Mas ao observar que Kevin
só dá trégua em meio àquelas lágrimas quando Franklin, o marido de Eva, aparece
por perto, Eva começa a notar que seu filho amado não está tão assim satisfeito com a
mãe. Logo, ela também nota que ela mesma não está tão satisfeita assim com o filho.
O livro é uma amarração bem construída da
autora para atrair o leitor e induzi-lo a ler todas as páginas sem conseguir
manter o fôlego. Apesar de ser um drama, aqui você verá aspectos há muito
esquecidos em dramas familiares, como os sonhos destruídos, um casamento indo
para o ralo e um filho, no fim, indesejado. Eva trata seus problemas com muita
eficiência e paciência, mesmo estando à beira do abismo. Logo no início é
possível notar o tipo de vida que a mulher vai levando após o massacre na escola,
onde seu próprio filho matou nove pessoas, e a angústia só cresce à medida que
acompanhamos a trajetória de Eva.
Esta não é uma história que segue uma linha
cronológica, de fato. No começo temos Eva nos relatando (para o marido dela, na
verdade) como sua vida está sendo, lançando aqui e ali alguns enigmas que só
descobriremos lá para o fim da narrativa. Em certo ponto ela começa a discorrer
sobre seu passado, e é aí que tudo começa, com ela um pouco mais jovem, riquíssima,
adorada... e entrando em um relacionamento com Franklin. A trama só se encerra
quando Eva decide que já contou demais sobre sua vida, e não nos deixa
curiosos. A autora nos convence e entrelaça todas as partes que uma hora
pensamos que ficarão soltas, levando tudo a um fim trágico, mas não sangrento.
Este não é um drama violento, está muito mais para tortura psicológica que
física, o que, em minha opinião, acaba sendo pior.
A história de Eva e de seu filho psicopata está
no topo da minha lista de melhores livros lidos por ser algo tão humano e
brutal. A narrativa não é rápida, tampouco fácil, pois a autora decidiu
enfeitar as palavras, mas isso não prejudicou em nada a história. Pelo
contrário, o estilo narrativo de Lionel é excelente e envolvente, nunca
cansativo apesar das cenas demasiadamente lentas.
O retrato de família aqui é quebrado, como um
quadro. Dúvidas permeiam o fim da leitura, pode apostar, e todas essas 463
páginas te deixarão de queixo caído. Mais que uma obra-prima, Precisamos falar sobre o Kevin é um
clássico inesquecível que mexe com nossa imaginação e indagação. E, em meio a
todas essas perguntas, resta uma: é possível uma mãe odiar o próprio filho?
Segue abaixo o trailer da adaptação cinematográfica:
por Saullo Brenner
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